SOBRE NARRATIVAS E SOBRE COMO EU QUASE MORRI NO PRIMEIRO DIA DO ANO
Olá gente!
Como estamos?? Todos respirando?
*****ATENÇÃO!!!****
ESTE TEXTO CONTÉM ARANHAS, ESCORPIÕES E OUTRAS COISAS PEÇONHETAS
Eu queria fazer a primeira postagem do ano com a continuidade do resumo do Black Mirror (a matéria anterior você pode ver aqui: Black Mirror - Resumo da temporada 4 (Parte 1). Mas dias passaram e coisas aconteceram durante a virada do ano e eu achei mais coerente falar sobre outra coisa hoje.
Sim, gente, o título do texto de hoje é dramático, é chamativo e eu realmente não faço ideia de como ele chamou a sua atenção. Mas contarei primeiro a minha experiência de quase morte (ou não).
Estava eu no dia 1° de Janeiro andando serelepe pelo quintal, admirando a lua, como costumo fazer sempre. Estava de noite, estava escuro pra caramba e eu moro em um lugar que tem muita vegetação, próximo a entulhos e a uma reserva ambienta. Foi aí que se deu o meu tormento. Andando, sentindo a grama entre meus dedos, eis que sinto uma dor na sola do pé. Uma dor e uma leve queimação. Foi uma picada de algum inseto que não sabia ao certo qual era.
Por azar, o local que eu estava era propício para a proliferação de aranhas e escorpiões e, por certo, deve ter sido um desses danados que me picou. Meu coração acelerou na hora, a dor era intensa. Lavei o pé com água corrente e sabão e depois corri para o google com o fim de avaliar a picada. Descartei a possibilidade do escorpião pois não havia inchado e também não havia nenhuma presa na sola do meu pé. Depois segui a pesquisa. Que diacho de inseto anda no mato a noite??? Por um breve momento descartei as aranhas também mas aí veio a dor. A dor de cabeça insuportável, depois o enjoo - segundo o Dr. Google poderia ser uma aranha Viúva Negra. Comentei com a minha mãe sobre o ocorrido, reclamei da dor, sofri, verifiquei minha temperatura (em um dia que não teve chuva e que o calor estava insuportável). Ainda desconfiava se poderia ser a danada da aranha, mas veio o texto que dizia algo como "Elas se encontram em arbustos e em gramados."
PIMBA!! JÁ SEI QUEM FOI A CULPADA!!
Os sintomas do envenenamento estavam no meu corpo. Dor de cabeça. enjoo, calafrios, dores musculares, queimação no local da picada. Precisava ir ao médico mas decidir esperar. O veneno só faria um efeito realmente perigoso depois de 24 horas, já era madrugada, todos estavam dormindo e não tinha nenhum carro para me levar correndo ao hospital.
Tomei um remédio calmante e decidi que, se fosse para morrer aquela noite, gostaria de morrer dormindo - já que a dor estava horrenda.
A esse ponto do texto, você deve imaginar o que aconteceu na manhã seguinte. Um punhado de telefonemas, um pronto-socorro, uma pá de agulhadas na veia e a tentativa de garantir que havia sido mesmo a tal da viúva negra quem me envenenou. Para a minha surpresa no dia seguinte eu acordei bem, disposta, um pouco tonta por causa do calmante, meu pé não estava inchado, a dor de cabeça e o enjoo tinham ido embora.
Imagino que antes de eu contar o desfecho desta história toda uma narrativa foi criada pela sua cabeça. O título do texto também é indutivo, no sentido de aparentar que o que eu experimentei aquela noite foi um risco real de morte e que, por algum motivo, consegui escapar. A história não foi inventada, foi um fato, eu realmente senti tudo o que senti (e tenho amigos que não me deixam mentir) mas eu poderia ter contado de outra forma.
A forma em que as informações chegam a gente dizem muito sobre quem as passa e muito, também, de quem as recebe. Uma pessoa mais atenta pode ter lido esse texto e duvidado de sua veracidade, outras já podem ter pensado o quão tola eu sou de andar descalça no gramado e por aí se vão formando opiniões a partir de quem recebe a informação.
As narrativas estão presentes no nosso cotidiano o tempo inteiro, elas legitimam, muitas vezes, algumas ações que podem ferir nossos direitos básicos. Em outros momentos elas ajudam a repensar o cotidiano e a falar sobre determinado assunto que não era tocado. Mas é preciso ficar atento. Assim como o texto que escrevo agora (dentro da minha percepção de mundo, da minha subjetividade etc etc), com o poder das imagens e do audiovisual no nosso subconsciente.
Engana-se quem pensa que um filme é só um filme, uma pintura só uma pintura e um texto, mesmo que bobo, só um texto. A linguagem, a nossa linguagem, é muito mais complexa que isso e além de passar pelo nosso filtro cultural as formas de representação podem nos induzir a pensar, mesmo que no nosso mais profundo subconsciente, sobre determinadas coisas que você nem imaginava estar presente ali.
É o caso de um filme que eu assisti chamado "Homem de Ferro 3". Uma trama sobre um super-herói. Um filme considerado como algo para distração e diversão que em uma cena mostra, simbolicamente, os Estados Unidos libertando mulheres árabes. Mesmo sendo os Estados Unidos um dos principais causadores da guerra da Líbia, por exemplo, mas essa cena ajuda a reforçar a ideia de que determinado país tem direitos sobre o outro se for em prol da "liberdade". Ou a clássica cena do primeiro filme da Tropa de Elite onde o Capitão Nascimento descobre onde está o traficante torturando uma pessoa, legitimando, assim, a tortura - que é um crime - se for "para o bem maior". Na prática, não é bem assim que acontece. E as vitimas das armas químicas jogadas pelos estadunidenses (sim, eu uso esse termo) não são ouvidas, e tão pouco se vê na mídia os relatos de pessoas periféricas que sofreram tortura por parte da polícia - mesmo sendo inocentes.
Poderia ficar aqui citando milhares de exemplos de filmes, de histórias de livros etc etc que possuem discursos tão intrínsecos que você só percebe quando para e observa com mais cautela.
Um conto que eu gosto muito chamado "A menor mulher do mundo" de Clarice Lispector é ótimo para entender essas questões de como a informação é transformada e muitas vezes sem passar pelos atores presentes na própria. Em resumo, o conta a história de uma noticia de jornal sobre um explorador que resolve fazer uma pesquisa sobre uma tribo de pigmeus, ao longo da pesquisa ele encontra uma mulher adulta que teria quarenta e cinco centímetros. A notícia corre o mundo mas o conto foca em alguns personagens do Rio de Janeiro e seus sentimentos a cerca dela.
Se Clarice vivesse em tempos de rede sociais, sem dúvidas, falaria sobre a nossa incrível capacidade de não assimilar as informações que chegam até nós. Durante a virada desse ano uma fotografia dividiu opiniões no grande campo de batalha que o facebook pode se tornar. Era a de um garoto assistindo os fogos de artifício na praia dentro da água. O compartilhamento da imagem de uma criança, sendo apropriadas pelo fotógrafo, pelos jornais virtuais, blogs dos mais diversos, os famosos "textões de facebook", defensores dos direitos humanos, defensores que direitos humanos é somente para humanos direitos etc etc causou uma comoção geral sem passar pelo agente mais importante na situação toda: O próprio menino que teve sua imagem compartilhada.
As narrativas "criadas" pelas pessoas a cerca da imagem , o olhar do próprio fotógrafo, as manchetes dos blogs e tudo mais se esqueceram, inclusive, que é (ou era pelo menos na época em que havia lançado o Estatuto da Criança e do Adolescente) ilegal utilizar imagem de crianças e adolescentes sem autorização do responsável.
Essa polêmica me ajudou a entender que o que acreditamos está, de certo modo, internalizado de um jeito que se não formos atentos iremos legitimar alguns discursos sem saber qual é - igual produzir sintomas que não deveriam estar no meu corpo e contra a minha vontade.
Não há nada de errado em ter uma opinião, desde que ela não fira os direitos de ninguém. A questão aqui é: Em tempos de redes sociais, quantas vezes você teve tempo para pensar sobre a informação antes de construir a sua própria narrativa acerca dela???
Devo admitir que só o escrevi para contar a história da minha "quase morte" e como eu, sem nem saber qual bicho havia me picado, comecei a sentir os sintomas exatos de envenenamento sem estar envenenada. Foi coisa da minha cabeça? Certamente que foi. Mas a narrativa que eu contruí naquela hora - e que foi parecidíssima com a do inicio desse texto - era de que eu estava envenenada - e meu corpo acabou ajudando lingando o que eu criei e me ajudou a confirmar isso produzindo os sintomas.
Dessa experiência de "quase envenenamento" aprendi duas coisas:
A primeira é que nosso cérebro legitima coisas que já acreditamos, mesmo que inconscientemente, se não analisamos os fatos com cautela.
A segunda é que não se deve andar descalça no gramado especialmente se for a noite e você não tiver nenhum tipo de chance de chegar perto de um antídoto.
Beijos de luz e até a próxima.
<3
Perdoem minha divagação e a minha total condição de leiga em linguística e não desiste de mim
Por azar, o local que eu estava era propício para a proliferação de aranhas e escorpiões e, por certo, deve ter sido um desses danados que me picou. Meu coração acelerou na hora, a dor era intensa. Lavei o pé com água corrente e sabão e depois corri para o google com o fim de avaliar a picada. Descartei a possibilidade do escorpião pois não havia inchado e também não havia nenhuma presa na sola do meu pé. Depois segui a pesquisa. Que diacho de inseto anda no mato a noite??? Por um breve momento descartei as aranhas também mas aí veio a dor. A dor de cabeça insuportável, depois o enjoo - segundo o Dr. Google poderia ser uma aranha Viúva Negra. Comentei com a minha mãe sobre o ocorrido, reclamei da dor, sofri, verifiquei minha temperatura (em um dia que não teve chuva e que o calor estava insuportável). Ainda desconfiava se poderia ser a danada da aranha, mas veio o texto que dizia algo como "Elas se encontram em arbustos e em gramados."
PIMBA!! JÁ SEI QUEM FOI A CULPADA!!
Os sintomas do envenenamento estavam no meu corpo. Dor de cabeça. enjoo, calafrios, dores musculares, queimação no local da picada. Precisava ir ao médico mas decidir esperar. O veneno só faria um efeito realmente perigoso depois de 24 horas, já era madrugada, todos estavam dormindo e não tinha nenhum carro para me levar correndo ao hospital.
Tomei um remédio calmante e decidi que, se fosse para morrer aquela noite, gostaria de morrer dormindo - já que a dor estava horrenda.
A esse ponto do texto, você deve imaginar o que aconteceu na manhã seguinte. Um punhado de telefonemas, um pronto-socorro, uma pá de agulhadas na veia e a tentativa de garantir que havia sido mesmo a tal da viúva negra quem me envenenou. Para a minha surpresa no dia seguinte eu acordei bem, disposta, um pouco tonta por causa do calmante, meu pé não estava inchado, a dor de cabeça e o enjoo tinham ido embora.
Imagino que antes de eu contar o desfecho desta história toda uma narrativa foi criada pela sua cabeça. O título do texto também é indutivo, no sentido de aparentar que o que eu experimentei aquela noite foi um risco real de morte e que, por algum motivo, consegui escapar. A história não foi inventada, foi um fato, eu realmente senti tudo o que senti (e tenho amigos que não me deixam mentir) mas eu poderia ter contado de outra forma.
A forma em que as informações chegam a gente dizem muito sobre quem as passa e muito, também, de quem as recebe. Uma pessoa mais atenta pode ter lido esse texto e duvidado de sua veracidade, outras já podem ter pensado o quão tola eu sou de andar descalça no gramado e por aí se vão formando opiniões a partir de quem recebe a informação.
As narrativas estão presentes no nosso cotidiano o tempo inteiro, elas legitimam, muitas vezes, algumas ações que podem ferir nossos direitos básicos. Em outros momentos elas ajudam a repensar o cotidiano e a falar sobre determinado assunto que não era tocado. Mas é preciso ficar atento. Assim como o texto que escrevo agora (dentro da minha percepção de mundo, da minha subjetividade etc etc), com o poder das imagens e do audiovisual no nosso subconsciente.
Engana-se quem pensa que um filme é só um filme, uma pintura só uma pintura e um texto, mesmo que bobo, só um texto. A linguagem, a nossa linguagem, é muito mais complexa que isso e além de passar pelo nosso filtro cultural as formas de representação podem nos induzir a pensar, mesmo que no nosso mais profundo subconsciente, sobre determinadas coisas que você nem imaginava estar presente ali.
É o caso de um filme que eu assisti chamado "Homem de Ferro 3". Uma trama sobre um super-herói. Um filme considerado como algo para distração e diversão que em uma cena mostra, simbolicamente, os Estados Unidos libertando mulheres árabes. Mesmo sendo os Estados Unidos um dos principais causadores da guerra da Líbia, por exemplo, mas essa cena ajuda a reforçar a ideia de que determinado país tem direitos sobre o outro se for em prol da "liberdade". Ou a clássica cena do primeiro filme da Tropa de Elite onde o Capitão Nascimento descobre onde está o traficante torturando uma pessoa, legitimando, assim, a tortura - que é um crime - se for "para o bem maior". Na prática, não é bem assim que acontece. E as vitimas das armas químicas jogadas pelos estadunidenses (sim, eu uso esse termo) não são ouvidas, e tão pouco se vê na mídia os relatos de pessoas periféricas que sofreram tortura por parte da polícia - mesmo sendo inocentes.
Poderia ficar aqui citando milhares de exemplos de filmes, de histórias de livros etc etc que possuem discursos tão intrínsecos que você só percebe quando para e observa com mais cautela.
Um conto que eu gosto muito chamado "A menor mulher do mundo" de Clarice Lispector é ótimo para entender essas questões de como a informação é transformada e muitas vezes sem passar pelos atores presentes na própria. Em resumo, o conta a história de uma noticia de jornal sobre um explorador que resolve fazer uma pesquisa sobre uma tribo de pigmeus, ao longo da pesquisa ele encontra uma mulher adulta que teria quarenta e cinco centímetros. A notícia corre o mundo mas o conto foca em alguns personagens do Rio de Janeiro e seus sentimentos a cerca dela.
Se Clarice vivesse em tempos de rede sociais, sem dúvidas, falaria sobre a nossa incrível capacidade de não assimilar as informações que chegam até nós. Durante a virada desse ano uma fotografia dividiu opiniões no grande campo de batalha que o facebook pode se tornar. Era a de um garoto assistindo os fogos de artifício na praia dentro da água. O compartilhamento da imagem de uma criança, sendo apropriadas pelo fotógrafo, pelos jornais virtuais, blogs dos mais diversos, os famosos "textões de facebook", defensores dos direitos humanos, defensores que direitos humanos é somente para humanos direitos etc etc causou uma comoção geral sem passar pelo agente mais importante na situação toda: O próprio menino que teve sua imagem compartilhada.
As narrativas "criadas" pelas pessoas a cerca da imagem , o olhar do próprio fotógrafo, as manchetes dos blogs e tudo mais se esqueceram, inclusive, que é (ou era pelo menos na época em que havia lançado o Estatuto da Criança e do Adolescente) ilegal utilizar imagem de crianças e adolescentes sem autorização do responsável.
Essa polêmica me ajudou a entender que o que acreditamos está, de certo modo, internalizado de um jeito que se não formos atentos iremos legitimar alguns discursos sem saber qual é - igual produzir sintomas que não deveriam estar no meu corpo e contra a minha vontade.
Não há nada de errado em ter uma opinião, desde que ela não fira os direitos de ninguém. A questão aqui é: Em tempos de redes sociais, quantas vezes você teve tempo para pensar sobre a informação antes de construir a sua própria narrativa acerca dela???
Devo admitir que só o escrevi para contar a história da minha "quase morte" e como eu, sem nem saber qual bicho havia me picado, comecei a sentir os sintomas exatos de envenenamento sem estar envenenada. Foi coisa da minha cabeça? Certamente que foi. Mas a narrativa que eu contruí naquela hora - e que foi parecidíssima com a do inicio desse texto - era de que eu estava envenenada - e meu corpo acabou ajudando lingando o que eu criei e me ajudou a confirmar isso produzindo os sintomas.
Dessa experiência de "quase envenenamento" aprendi duas coisas:
A primeira é que nosso cérebro legitima coisas que já acreditamos, mesmo que inconscientemente, se não analisamos os fatos com cautela.
A segunda é que não se deve andar descalça no gramado especialmente se for a noite e você não tiver nenhum tipo de chance de chegar perto de um antídoto.
Beijos de luz e até a próxima.
<3
Perdoem minha divagação e a minha total condição de leiga em linguística e não desiste de mim
Comentários
Postar um comentário